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Juventus da Mooca chega aos 100 anos dividido entre tradições e SAF

Por Folha de São Paulo

20/04/2024 8h00 — em
Esportes



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há cem anos, em 20 de abril de 1924, empregados de uma fábrica de tecidos fundavam na Mooca o time de futebol de várzea Cotonifício Rodolfo Crespi FC. A equipe seria rebatizada pouco depois com o nome com que se tornaria mais conhecida, Clube Atlético Juventus.

No período, o Juventus da rua Javari --como também é chamado pela localização do estádio-- teve como maior conquista a série B do Campeonato Brasileiro, além de ter revelado diversos jogadores de destaque no cenário nacional e internacional.

Hoje na série A2 do Paulista e sem divisão nacional, a diretoria negocia com investidores a venda do futebol para uma SAF (Sociedade Anônima de Futebol), em uma iniciativa que divide a opinião dos torcedores.

Mais até do que as conquistas em campo, contudo, é a relação com a torcida fiel e apaixonada e com o bairro da Mooca seus bens mais valiosos.

"O Juventus se notabiliza por ter mantido a tradição, com um estádio que preserva a arquitetura dos anos 1940, onde se realiza o futebol romântico", diz Angelo Agarelli, 77, historiador do clube, co-autor do livro "Glórias de um Moleque Travesso" e filho de um dos fundadores do Juventus.

Nos primórdios da agremiação, recorda Agarelli, após uma boa campanha na segunda divisão do estadual, a equipe foi convidada a participar da divisão de elite do estado em 1930. Por um veto a nomes de empresas, Rodolfo Crespi, dono da fábrica de tecidos que havia cedido um terreno para a criação da sede social e do estádio, sugeriu o nome de Juventus, em homenagem ao time homônimo de Turim, na Itália. Já a cor grená das camisas teve como inspiração o Torino, rival da mesma cidade no norte do país europeu.

Houve mais uma mudança temporária de nome em 1934, ano do primeiro título de expressão. Na esteira da Revolução Constitucionalista de 1932, que bombardeou a fábrica de tecidos do patrono do clube, a opção naquele ano foi por atuar na liga amadora, menos custosa. O nome escolhido foi C. A. Fiorentino, em referência à região de Florença, terra natal da condessa Marina Crespi. O time foi o campeão do torneio, batendo a Ponte Preta na final. Em 2021, a FPF (Federação Paulista de Futebol) reconheceu a conquista juventina.

O primeiro título nacional viria em 1983, com a conquista da Taça de Prata, a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Compunham o elenco o goleiro Carlos Pracidelli e o lateral Nelsinho Baptista, além do centroavante e cria da base juventina Raudinei Freire.

Raudinei conquistou com a camisa grená o Paulista sub-20 e a Copa São Paulo. Em 1987, foi vendido para o Porto. "É uma paixão e sempre que posso estou na Javari torcendo para que a gente retorne o mais rápido possível à elite do futebol paulista, que é onde o Juventus tem que estar", disse Raudinei no estádio Conde Rodolfo Crespi, na estreia do Paulista sub-20. A partida entre Juventus e EC São Bernardo terminou em 1 a 1.

O Juventus chegou perto de conseguir o acesso à primeira divisão no ano do centenário, mas perdeu na semifinal da A2 para o Velo Clube. O clube não joga na elite estadual desde 2008.

Também revelado na base juventina para depois se destacar por Santos, Grêmio e São Caetano, o ex-lateral direito Ânderson Lima é hoje o responsável pelas categorias de base do clube.

Ele ficou contrariado com o empate na estreia dos juniores, por considerar o desempenho aquém do esperado. "O trabalho é árduo, a captação [de novos jogadores] é difícil. É claro que vão ter os obstáculos, mas não vamos desistir, até para fazer o Juventus voltar a ser como era."

Apesar de a fase áurea ter ficado para trás, com o Juventus frequentando a segunda e até a terceira divisão do Paulista, ele nunca perdeu o apoio da torcida, em especial dos moradores da Mooca.

"O Juventus e a Mooca parecem uma simbiose. É o último clube de bairro de São Paulo", disse o torcedor Marcos Prieto, 49, que acompanhava o jogo colado ao alambrado da Javari. "Aqui é uma trincheira contra o futebol moderno, uma coisa meio quixotesca."

Frequentador assíduo dos jogos na Javari, Prieto afirma ter identificado nos últimos anos um aumento no interesse de torcedores de outros times pelo Moleque Travesso.

"Os torcedores são muito fiéis, amam o clube. Os jogadores nunca estarão desamparados no quesito torcida", diz André Dias, 34, goleiro do Juventus. Entre idas e vindas, Dias tem quase dez anos de clube, com 223 jogos pela equipe.

"Isso se deve ao carisma do clube, que abraça a todos. Aqui você vê camisas do Corinthians, do Palmeiras, do São Paulo, todos são bem-vindos", afirmou Tadeu Deradeli, 69, presidente do Juventus.

O clube é o primeiro de muitos, e o segundo de todos, diz uma expressão comum entre os juventinos.

Contribui para a simpatia do público o pequeno e charmoso estádio com capacidade para 5.000 pessoas, com uma arquibancada próxima ao gramado que permite à torcida ouvir os diálogos dentro de campo e até o impacto das chuteiras na bola.

Uma tradição antiga nos intervalos, os torcedores, novos ou antigos, também formam longas filas para comprar o cannoli vendido desde os anos 1970 por Antônio Pereira Garcia, 74.

"O Juventus é um clube tradicional, muito respeitado, família. É um ambiente em que a gente se sente à vontade", afirmou Garcia. "Desde a criança até o ancião e a senhora grávida, a família se reuni para ver o jogo e comer um aperitivo."

O estádio carrega também a mística de ser o local em que Pelé fez o gol que o próprio Rei considerava o mais bonito da carreira --recebeu a bola na entrada da área, aplicou quatro chapéus nos zagueiros e no goleiro e empurrou de cabeça para o fundo das redes, pelo Paulista de 1959.

O gol rendeu uma estátua de Pelé na Javari, bastante procurada pelos novos frequentadores para uma foto. A peça, no entanto, é contestada por parte da torcida, que vê no busto uma possível fonte da má fase do time, diz Hamilton Kuniochi, 38.

O torcedor é um dos maiores colecionadores de camisas do Juventus --ele estima ter mais de 500 modelos. "Quando era mais novo, torcia para outro time, mas, conforme passei a frequentar os jogos na Javari, fui percebendo a questão de pertencimento e identificação que o Juventus supriu."

A torcida tem agora se dividido em relação a um tema polêmico que envolve a negociação do futebol para uma SAF. Deradeli afirma ser a única saída para o time voltar a frequentar a primeira divisão do estadual e ter calendário nacional.

Segundo ele, há conversas em andamento com um grupo de investidores, e a expectativa é fechar acordo no primeiro semestre. Já há um valor estimado para a compra, que o cartola prefere não abrir antes do acerto.

No Paulista, a folha salarial do elenco somou cerca de R$ 320 mil, chegando a R$ 550 mil ao considerar a estrutura auxiliar com funcionários e ambulância em dias de jogo. A maior parte do valor é bancada pelo clube social. "O social pega no nosso pé, porque a Javari drena recursos e não está dando retorno."

Conforme o balanço patrimonial do clube, houve superávit de R$ 893 mil no primeiro trimestre, com receitas de R$ 6,5 milhões e despesas de R$ 5,6 milhões.

As contribuições associativas representam a maior fonte de receita (R$ 2,8 milhões), oriundas do pagamento pelos cerca de 4 mil sócios de mensalidades para manutenção e uso das instalações para aulas de natação, futebol e outras modalidades esportivas, nos 80 mil metros quadrados do clube social. Já o gasto com pessoal é a maior despesa (R$ 2,3 milhões).

Sempre que procurado por jogadores em busca de informações a respeito do clube, Dias responde que, dentro de suas limitações, o Juventus cumpre com as obrigações. "O Juventus não vai prometer mundos e fundos. Mas o que ele oferece, vai cumprir."

Torcedores têm visões distintas em relação a SAF. Prieto diz que não vê a alternativa com bons olhos, por entender que ela pode acabar com as características familiares e tradicionais que alimentam o apoio da torcida. "Também não gosto da ideia por causa da incerteza que ela traz, mas entendo a situação financeira do futebol de hoje e as dificuldades de manter um time competitivo", diz Kuniochi.

Agarelli afirma que a SAF pode representar o caminho para o time voltar a disputar contra os grandes do estado. Diante da falta de recursos, o Juventus participa dos torneios para evitar o rebaixamento, diz o historiador. Sem perspectiva de mudança, a venda do futebol pode ser a salvação para evitar novas quedas, acrescenta. "Só entendo que a SAF deveria, contratualmente, ser obrigada a manter tudo aquilo que preserva o nome, as cores e as tradições do Juventus."

Linha do tempo

1924 Fundação do Cotoníficio Rodolfo Crespi FC

1930 Rebatismo para Clube Atlético Juventus

1934 Título do Campeonato Paulista amador sob o nome de C. A. Fiorentino

1941 Inauguração do Estádio Conde Rodolfo Crespi

1962 Criação do clube social

1983 Título da Taça de Prata (2ª divisão do Campeonato Brasileiro)

1985 Título da Copa São Paulo de juniores

1997 Título de vice-campeão da série C do Campeonato Brasileiro

2007 Título da Copa Paulista

2007 Última participação no Campeonato Brasileiro (série C)

2008 Última participação na 1ª divisão do Campeonato Paulista

Raio-X do Clube Atlético Juventus

4 mil sócios

Área do clube social: 80 mil metros quadrados

Área do Estádio Conde Rodolfo Crespi: 15 mil metros quadrados

Capacidade do Estádio Conde Rodolfo Crespi: 5 mil torcedores

Média de público na A2 2024: 3,3 mil torcedores por partida


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